elle tourne
Elisa andava angustiada. Não escrevia há dois meses, as palavras foram-lhe guardadas e cravadas no coração e agora corriam-lhe nas débeis veias, escondidas de todos. Estava parada, debruçada sobre a secretaria, sentia a sol a aquecer-lhe as costas, não se mexeu. Pegou na caneta, rabiscou algo, ilegível, talvez numa língua estrangeira que ela própria desconhecia. Ouvia o som saído da aparelhagem, sorriu. Sorriu porque lembrou, porque não perdeu aquela lembrança, aquela que a despertou numa manhã de Junho.
Elisa recordou os sonhos – aqueles - os partilhados no leito da paixão. Saberia o seu destino tão bem que chegava a doer mas mesmo assim partilhou-os no meio de beijos e amor. Depois disso deram as mãos e adormeceram, sonhavam sobre as promessas, seladas a cunho de sangue.
Subitamente, notou que algo em si ainda estava vivo, ainda seria capaz de amar talvez se aproximar novamente deste novo sabor, o que a fez sentir o sol nas costas. Elisa dizia baixinho
não te escondas de mim e eu não fugirei de ti, eu amo-te! ouviste? amo-te! como nunca amei. Recordou aquele olhar, aquele que a fez render logo no suspiro do dia. Era manhã, e de manhã já sabia o que ia viver, quem ia amar, o que iria chorar. Acreditava no que sentia e só por isso se deu, deu-se como nunca antes, como se nunca tivesse tocado a ninguém. Nasceu ali e ali soube que iria morrer.
Afasta os pensamentos como se moscas fossem, vira-se e sente o sol na cara, vai à janela e sorri, sorri porque ainda acredita nesse amor, esse que a fez nascer e porque se não acreditar.. ela morre, morre como nunca antes morreu, morre lúcida da solidão.